Um conto...quase inútil!
Quando acordo meus pensamentos
parecem uma revoada de gralhas que voam em círculos, atrapalhando minhas rezas
matinais, a velocidade do pensamento é maior do que a de um cometa singrando o
espaço com sua cauda de gelo deixando um rastro de estrelas que em breve se
derreterão.
Somente depois de respirar, de
ler meus livros prediletos, é que consigo orar com pensamentos ainda quase de
beija flor que mesmo parado bate as asas em velocidade também de cometa quase
se descongelando. Isso, é assim que me sinto no início de cada dia...um cometa
descongelando, as vezes estou longe, bem longe do Sol...outros dias tão próximo
que minha esfera estelar se desintegra rapidamente. O dia começa assim, com a
cabeça turbulenta, com o coração apressado em adivinhar o que virá depois de
abrir os olhos e saber que o dia já iniciou. Ultimamente nada de rotina, mesmo
que tenha que impor algo semelhante, as circunstâncias não deixam. Tumultuo a cama
com abraços no travesseiro, com a leitura diversificada ali mesmo...troco de
livro na terceira página lida, ou na quinta, não sei exatamente. Uma visão
embaralhada pela miopia e pela claridade pouca do quarto.
Me levanto, levanto, levanto,
levanto...em câmara lenta porque meus pensamentos já criaram uma linha que me
prende a mim mesmo e parece que são infinitos, extinguindo cada vontade de
lavar a cara. Mas, eu gosto...gosto de lavar a cara de saber que outro dia está
começando, de olhar para o espelho com olhos inchados e que diminuem com a água
gelada...eu faço questão disso!
Com pensamentos levemente
alinhados, remédios de pressão, sob a pressão que não muda eu me atrevo a
escrever. Poucas linhas, mas, sempre doloridas como essa de expressar que meus
olhos ardem de tanto sabão.
Procuro ainda achar o primeiro
raciocínio que me veio, não, nada de reflexão...refletir é meu exercício predileto
ao longo do dia e termina à noite me causando insônia, deveria mudar a ordem
das coisas e ser mais racional. Eu vou em busca da minha primeira vontade
também, ah sim...me lembrei. Um emprego, daqueles de sair todo dia de casa, já
ensaiando que sorriso darei ao encontrar meu patrão na porta, treinando em que entonação
será o bom dia que melhor representa a escravidão, de bater cartão, de apontar
lápis, de ligar a máquina e desenhar números, números e problemas que se
alongam e que fazem o dia ficar excitante.
Então vou, desculpe não sei para
onde...
Bem, vou para os meus pensamentos
do dia, para meus afazeres domésticos, para as soluções práticas, para minha
escola particular que me ensina inglês, que me ensina alemão e que ajuda a fazer
cálculos.
Nada de fome, nada de
sede... tomar água de forma forçada como uma pedra no meu sapato depois de andar em terreno
pedregoso, percebo isso. Lá vou eu e ao final da tarde escutar um pouco meus pensamentos, meu
coração, o outro...Aaah, o outro esse ser tão diferente de mim, que delícia sabê-lo, de conhecer seus medos e tomar posse de si mesmo perante tanta diversidade.
Tenho participado ativamente da
minha vida, como se somente agora ela me pertencesse e como só agora eu
percebesse que passei anos tentando ser o que não queria ser ou quase isso, e claro impressionado de perceber ser esse fato (gosto de fatos) algo tão comum
a tantas pessoas...depois de um ônibus lotado a caminho do Centro, quem não
gostaria de ser clic de revista.
Eu também penso nos amigos que estão
distantes, há alguns tão distantes de mim e que moram na mesma cidade em que eu
nasci ou aqui na vizinhança, outros estão distantes porque geograficamente estão além mar, porém, por
alguma razão se tornaram distantes também do meu coração. Vai entender a lógica
disso tudo. Não tem lógica.
E assim o dia termina com uma
conjectura de? E amanhã o que será? Preciso interromper o fluxo ou deixo que o
sono venha com esforço me botar na cama? Aliás, Morfeu comigo é um impostor e
inoportuno ser divino, que por alguma razão perdeu seu relógio onde estava
escrito meu nome, ou minha ficha...não sei exatamente como ele controla o sono
dos seus súditos, deve ser um imenso, enorme arquivo onde minha ficha com
certeza está fora da ordem ou meu relógio precisando de conserto.
As gralhas já se foram e se
engana quem pensa que o beija flor não gosta de escuro. Há flores noturnas e
observa-las é um ato tão deslumbrante quanto medíocre inclusive por ser eu
míope.
Então eu vou devagar e divagando
me deixando assombrar por mais um par de sílabas, e vai saindo em fluxo
acelerado de mal escritas linhas com minha letra de sono.