quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Crônicas de uma vida perturbada...do nascimento à morte e pós morte de B.T.




B.T nasceu sem muita vontade, como ele mesmo se sentia e sua mãe estava entregue à dor e com muito esforço, no entanto para ele isso era parte da sua eminente vida fora e nada de fazer tanta celeuma, ainda estava decidindo se iria ou não chorar para mostrar que estava ali, quase presente. Ouviu alguns gemidos de alivio e saiu, não enxergava nada, mas entendia tudo. Nasceu B.T, sem coragem, sem esforço e sensível a tudo o que rodeava. Nasceu no tempo normal, sem delongas, tudo certinho, sem contratempos. Meio cruel esse tempo todo, foi deixando o tempo passar e sem esforço.
Seu primeiro choro foi de raiva, mais do que pela batida do medico para força-lo a fazer parte desse mundo que ele já pressentia nada amistoso. E foi seguindo devagar para um lugar quentinho e estranho, já suava. Ficou esperando os próximos passos, o que esperar?
Nada que ele não pudesse vislumbrar através dos seus olhos embaçados ainda. Foi se preparando ali mesmo, já conseguindo decifrar alguns pontos cruciais na sua sobrevivência, se entregou ao amor da sua mãe, seria estupidez ou ela realmente velaria por ele? Descobriu devagarinho o que era esse sentimento, apaziguador, faminto e completo. Sentiu sua primeira cólica e chorou.
O que seria aquilo tudo misturado à ânsia de saber que já não guardava mais nenhuma lembrança do que tinha se passado anteriormente, como um ciclo interrompido, descartado e descaradamente desfrutado quando permitido. Agora seria mais um inocente e estúpido ser a escolher sem pressa obviamente qual destino tomar, prosseguir infante ou ser um desses seres que a vida sempre arrebenta. Tinha tanta escolha, que perturbação decidir isso agora, já que a volta ao calor de alguma coisa estava próximo. Não adivinhava nada e nem queria, só precisava estar ali e com seus objetos inalcançáveis. Perdoava a todos pela intromissão em sua tenra e crua vida, despreparado e sem vontade de prosseguir, foi empurrado mundo afora e agora? O tempo ainda estava a espera dele como se isso não bastasse para fustiga-lo de mansinho e ordinariamente ele se incumbia demoradamente de degusta-lo. Sensato desde os primeiros momentos, não via e não havia nele mais nenhum propósito a não ser o de viver. Iria averiguar se depois de tanto tempo lá naquele final que ele já antevia se tudo teria dado certo? Mas, como saber o que era o certo, o errado? Os objetos ainda continuavam crus e mansos, manchados de cores indecifráveis e secos, ao se aproximar não conseguia definir, já que os cheiros, os tatos, os sentidos ainda estavam amortecidos pela fina camada de vida que ainda o sobrepunha. Não demorou e sentiu nova cólica, que dor...primeiro contato com o mundo externo. Pensou logo em dar um fim nisso, e não foi capaz...chorou novamente. Tal qual um desgosto, iria permitir e permanecer, seguir assim? Nada disso, eu posso cuidar de mim e dos objetos inanimados que estão a minha volta, isso tudo é meu...adormeceu!
Acordou pelos sonhos bons que teve, um pouco apaziguado, já conseguia transformar algumas sensações e eram tão medíocres essas em imagens surreais. Constatou e confirmou estar fora da vida, e mesmo que ela o sobrepusesse finamente, olhou com olhinhos embaçados e cismados, as grades, grades daquele lugar em que eu passivamente permanecia imóvel, enrolado em algo quente, absurdamente quente, como um invólucro macio e inimigo ao mesmo tempo, sentia um calor infernal, sua temperatura corporal não era normal, era mais quente e iria carregar isso até os fins dos seus dias, e começou a sentir um mal estar, a cabeça doía, talvez pela passagem em um caminho estreito e desajeitado. O tempo todo iria atormenta-lo essa terrível dor de cabeça, transformada em fantasma, penumbra insólita que ele não iria cavalgar----sendo, assim, tomou como seu o espaço ínfimo, as grades, o cobertor, a manta aquela casca irritante e desprezível que o cobria e cuspiu, grunhindo baixinho e chorando. Sua arma secreta de vingança contra a burrice de um ser superior que nos dá a palavra tão erradamente e tardiamente.
Percebeu aí então, que sua arma mais voraz e mais mesquinha seria o choro, esse o choro, o chorão, o choramingo, o grunhir altinho, seria assim---prematuramente perspicaz. Tornou-se manhoso e choroso por longos anos, até se vingar das suas lágrimas que secariam, tão logo reconhecesse o amor. Isso após somente alguns anos mais tarde.
Se restabelecia a cada dia, e cada dia novas emoções e sensações, e cresceu desengonçado, desgovernado e sem rumo, atrapalhado e imensamente inteligente, captava como uma formiga mutante, uma abelha sazonal e zuenta tudo o que lhe parecia interessante, o desinteressante ele não sabia, somente ignorava. Por ele, tudo se movia, e achava que o mundo lindamente lhe pertencia, com seus objetos inanimados e inadequados se convertia em uma única peça, a mais brilhante e a mais engraçada de todos, porque andava e agora sorria, uma criança como outra qualquer, tirando aquela dor de cabeça miserável que lhe tolhia algumas tolices e permanecia sem permitir que ele se esquecesse dela angustiadamente e corria dali, e de lá, e com graves mas nem tantas consequências assim ele delimitava novamente seu espaço, as primeiras palavras tardaram, somente agora aos cinco anos expressou o que via, e pediu água.
Água em monossílabas, tão poucas, tão ásperas e tão delicadas, iria usar as palavras para se salvar e nisso continha uma verdade que ele já determinava em sua língua e em sua cabeça pasmada de interrogações. Aprendeu que falar podia estender sua percepção até que se ateve à mudez, com medo das palavras, com medo desse dom ignorante, pediu água novamente e se calou por bons anos. Não quis dizer mais nada, somente essa palavra tão seca poderia ser emitida, mesmo ele sabendo que nela permaneceria mudo e observador. Aos cinco anos, tão precoce observador, ignorado e investigado por muitos, ele observava junto com tudo e ao mesmo tempo a tentativa frustrada da palavra dita no dia a dia, desperdiçada como aquela gotinha de bebida deixada na mesa do centro da sala, tão grande, enorme, enraizada e traiçoeira.
Por alguns anos permaneceu mudo, sabia de cor tudo, todas as palavras, sílabas, cismado com os objetos ainda inanimados, se perguntava quando criariam vida---talvez? Sem respostas e sem muita pressa ele foi aguentando até explodir em um dicionários redondo de palavras ditas em sequencia, em ordem, em consonância com os assuntos e surpreendeu a todos os ouvintes, já tinha dez anos.
Dez anos, puro lirismo, infância bruta, louvada e fulgas, permaneceria imóvel até que aqueles antigos momentos fossem apagados da memória, muita pouca coisa permaneceu, os sonhos, o calor, as dores de cabeça e agora a ranhura das palavras, que ora falada, ora escrita se impunha. Dos dons que Deus lhe concedera, prevaleceu a estupidez. Idiota também, nem sempre alcançava com louvor suas penas, suas dores e muito menos suas alegrias. Notava que algo diferente o possuía, como um pedaço de pau enfiado em suas orelhas pudessem fazer uma conexão com o ermo e longínquo espaço de Deus. Ele começava a se perguntar se as orações que fazia duramente na igreja eram lançadas em espasmos ou seguiam em linha reta até alcançar as asas e afins.
Foi assim, cheio de imaginação, de conteúdo, de esvaziamento permanente que ele foi se contradizendo e deixando rastros perturbadores para trás. Sua temperatura perdida entre os dedos considerada invasiva percorria agora outras regiões do seu corpo, ele se descobria como homem e ser inanimado também. Fez quinze doloridos anos, corpo em evolução, mente em desgringolar e rolamentos e compressores o amassando e tirando dele um sumo tão esvaziado que não daria para cobrir a própria cama que o queria sempre.
E ele tinha preguiça, de levantar um dedo, de desdizer-se, de auscultar seu coração, imberbe, andrógino e imperfeito, começava a latejar sua cabeça e seu sexo. Tinha consciência da sua insignificante amplitude e derretia-se sempre por si mesmo---não bastava, ele mesmo? Não poderia se possuir como se possuía e sobrepujava seus desejos tão tépidos e ao mesmo tempo torpes. Não considerava que o outro fosse ele igual, ninguém seria como ele, ademais, a ranhura que sentia em sua garganta e falanges era como um desossar de almas, de caroços de azeitona do almoço e nada poderia ser como antes, nem depois, nem através das grades do monumento nem através das cruzes da sua igreja predileta naquele bairro tão distante. Carregava crucifixos em seu pescoço, pendurado aos montes em seu cordão. Perdeu alguns, juntava como obsessivo pela simbologia e esperava nisso uma salvação. Doía sua cabeça agora.
Levantou, levantou calmamente...aliás havia percebido que ele era lento, devagar, quase insosso, sem raios a lhe percorrer o corpo.
Se possuiu aos trinta e três, começou nova vida, e foi feliz, foi ficando feliz, se tornou feliz, embranqueceu o cabelo, tingiu as paredes do quarto de vermelho, possuía um espelho e nele sem reflexo, perplexo percebeu...era outro. Podia se dizer que era ele mesmo? Não se media a tanto tempo, não se via nada. Doou-se para os filhos, suas crias e lindas criaturas e sempre amou igual, ao seu igual e permaneceu assim por longos quinze anos.
No mais, aos cinquenta já entorpecido e desiludido redescobriu que amar não tem preço, rotulo e nem idade. Preferiria viver muito, se amou demais contemplando o tempo tão mais devagar que suas retinas estavam congelando, mas, ele vibrava ao mesmo tempo, encontrando sempre no seu centro um céu de ar, por e dor...tirava lustres disso, e empacotava toda a esperança no mesmo cantinho que acumulava suas coisas de cinquenta anos. Podia e se sentia amado e desejado. Trabalhava arduamente, como se isso o retirasse da sua enorme inexatidão, era uma mola propulsora que pulsava, pulsava, pulsava...parou!
Morreu e foi delicioso, partiu cedo e ele estava já feliz pela partida, nem sentiu, nem chorou, foi a mesma sensação dos trinta e três, libertação total. Nem sentia que era alma penada ou coisa assim, se sentiu desossado novamente e leve. Nada de creme antirrugas, nada de academia e nem mesmo o cabelo ralo o incomodava, aliás, nem tinha mais cabelo, era um fantasma disforme, sem uniforme e feliz da vida nem notou que não tinha mais sexo...que libertação ainda mais total. Tentou se tocar, fumaça, ectoplasma, catarro algo assim fluído e transparente. Ficou grudado na parede, era agora somente um retrato.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial