segunda-feira, 26 de maio de 2014

A chave da porta!


O som está alto, o pensamento longe, perdido em algum lugar indefinido. Não tem vontade de sair, de comer e de esperar que o telefone toque.

Fica imaginando a vida como se ela fosse um infinito arder de vontades, de perdas, ganhos e quase sempre ilusões e realizações, fora de ordem. Toca uma música no rádio e ele finge não reparar. Bobagem, a música foi feita para ele nesse exato momento.

Caminha pela sala, olha pela  janela e percebe que aquele não é seu lugar, mas, onde será? Perdeu as raízes ou elas ainda estão grudadas em seus pés e não lhe deixam partir sem estragar a terra que as germinou?

Toca a campainha, ufa! Vida. Alguém errou de porta com certeza. Nada, era alguém avisando que havia esquecido a chave da porta do lado de fora.

Isso se repete diversas vezes, ele esquece a chave do lado de fora, de tudo, da sua vida, deixou que muitas pessoas a controlassem sem que ele percebesse e foi se entregando a tantas esperanças que no fim sobraram algumas montanhas a serem escaladas. Mas, o silencio foi melhor, ele foi e criou um bolo, está vomitando aos poucos, tal gato que se enche de pelo.

E na sua imperfeita conjugação consigo mesmo, agora nesse momento ele consegue vislumbrar que através da janela há uma comunhão. Do quê exatamente ele não consegue precisar.

Somente uma questão de observação. Nada mais do que isso.

Tomou uma taça de vinho e sentiu aquilo queimando seu estomago até que atingisse com poder seus pensamentos. Desalinhados e desafiadores eles foram se tornando mansos e retos.

Não gostava daquela sensação, perdia o controle e se sentia fraco. Nada disso era perceptível para as pessoas que estavam com ele. Com ele? Não havia ninguém, somente sua presença e a dos seus dedos a manusear cada palavra que era contida, expulsa, escrita, reescrita. Núcleo de sol, caminhão de luz, sossego ao devaneio. Próspero caminho ligado por trilhas e arbustos com vida própria. Estava a procura.

O que procurava senão a chave da sua porta?

 

Festa bacana com gente esquisita!


Quando percebi que havia mais gente no encontro fiquei feliz, sério. Foi uma noite espetacular, música bacana, pessoas legais. Algumas bem esquisitas, dessas eu gosto mais. Adoro gente esquisita, tem papo.

Olham para mim como se eu fosse um estranho, para alguns sou realmente, a primeira pergunta que me fazem é? Como você faz?

- Faço o que?

- Aquilo?

Bom, eu ainda não entendi, mas, a música tá alta e tão legal e eu digo que de qualquer jeito.

Noto um olhar de repreensão. Meu Deus acho que falei alguma bobagem. Porém, o aquilo agora não saia mais da minha cabeça. Será que ouvi direito?

Do que será que ela estava falando? Será que era de como eu escrevo, de como faço sexo, ou de como assisto a um filme? Tudo em mim era tão natural...pensei.

Chamei um amigo menos esquisito e perguntei, ele se mostrou perplexo.

- Ah, vai me dizer que não entendeu?

- Não, do que ela estava falando?

- Bom, é todo um papo meio transcendental, na realidade eu só entendi que era uma coisa meio de evolução, de transformação.

 – Sim, e daí?

- Então deve ser isso que ela estava falando.

- Ok, vamos deixar essa bobagem pra lá. Vamos beber?

- Vamos, pra você Vodca e para mim uísque. Ok?

Fui dar uma outra volta na festa, nada de anormal, só gente esquisita mesmo. Uma mistura de pessoas muito heterogêneas.

Bebi, conversei, ri, e já estava dando meia-noite. Comecei a me sentir estranho.

A carruagem se transformando em abóbora, os ratinhos correndo e os meus cílios postiços caindo, a peruca também, o peito escorrendo perna abaixo e fui me transformando.

Era essa a pergunta, como eu fazia para me transformar de sapo em humano.

Sequencias!


Um pulo é mais do que um ato de se jogar
Um jogo é mais do que um ato de se apegar
Um apego é mais do que um ato de se doar
Um doar é mais do que um ato de se imolar
Um imolar é mais do que um ato de se cortar
Um corte é mais do que um ato de pulsar
Um pulso é mais do que um ato de filtrar
Um filtro é mais do que um ato de curar
A cura não é mais do que um ato de perdoar
A realidade não tem perdão

Se essa rua fosse minha...


O vento levantou seus cabelos e ela foi caminhando pela plantação, parece que conseguia observar em detalhes cada uma das sementes plantadas, se pudesse teria dado nome a cada uma delas. Uma hora era uma safra de milho, a outra de café, aos meus olhos um plantação infinita de aboboras, uma horta fresca.

Fazia frio, fazia calor, ela tostava o café, debulhava o milho, plantava o feijão...não faltava comida na mesa. Galinhas, patos, marrecos, porcos e coelhos. Era muita vida reunida na minha infância.

Com o passar do tempo e com a mudança, as coisas foram se reduzindo como as lembranças da meninice.

O tempo se encarregou de envelhece-la, de torna-la frágil, de fazer dela uma mulher pensativa, porém mesmo assim enérgica. Sentiu muitos gostos ruins na boca, a perda de filhos, o afastamento do seu amor. Superou? Acho que não.

Seus olhos de castanho claríssimo, cor de mel, os cabelos loiros e finos, tão finos que eram contidos somente com a rispidez das suas mãos escalavradas de trabalhar na roça.

Mal sabia falar, trocava as palavras e era divertida porque fazia a festa para os filhos. Seus filhos a amavam do fundo absoluto do seu coração, a perda foi grande, a falta é persistente e a saudade não se abrandou com o tempo.

Mãe, sabe aquela cantiga de roda que é assim: se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes para ver, para ver minha mãe passar...

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Nunca viu Madonna!


Em um determinado momento ele se levantou e o deixou falando sozinho. Como era difícil ter que lidar com tamanha desordem de sentimentos. Toda a situação lhe trouxe um súbito cansaço.

Gostaria de pegar um táxi e partir sem demora, mas, não  havia nenhum disponível. A Lapa estava absurdamente lotada com um show extra de Caetano Veloso.

Foi atravessando as ruas e tentando fugir de todos, de si e dele...o cara que prometeu um milhão de coisas e não cumpriu. Parou, respirou e sentiu muito cheiro de mijadas nas ruas estreitas.

Continuou caminhando até chegar a uma rua melhor servida de taxis. Vou deixar pra trás absolutamente tudo agora.

Pediu ao motorista de taxi que o deixasse em Copa, iria a uma boate dessas em que os michês ficam na porta se insinuando e dando dicas.

Não estava bêbado, estava ao contrário muito sóbrio. Só pensava mesmo naquele adeus tão cáustico e tão inesperado. Bom, a vida continua e acho que já estou partindo para outra daqui a pouco.

Entrou, a música alta, todos dançando, aquela alegria dada com algumas pílulas de êxtase e doses a mais, outros realmente felizes, era sábado afinal. Dia de descansar a alma também.

Não observou que havia alguém de olho nele, não era bonito, também não era feio...uma exceção naquele lugar onde o narcisismo impera e a idade é algo  relevante.

Tanto havia aturado daquele moleque...tanta doação e aquele egoísta só via ele mesmo.  Chega. Foi determinado um ponto final.

Decidiu por uma bebida, uma dose de vodka e pediu um RedBull. Já estava melhor, o que tinha acontecido há uma hora atrás estava enterrado. Fácil assim.

Como num pasto onde as ovelhas esperam serem tosquiadas ele olhava a todas com cara de lobo...frouxo.

Bebeu, pagou...saiu.

Não sentia nada mais do que pena dele, do outro...dos outros e foi embora decidido a não voltar atrás e não sucumbir a uma historinha qualquer.

Não percebeu o carro vindo em sua direção, foi atropelado. Ninguém viu, ninguém o socorreu a única coisa que viu por ultimo foi o chão, quente e esfarelado, tudo se misturou em sua lembrança, da infância pobre, os clipes de Ray Of Light, Jump, Vogue.

Foi encontrado caído,  já morto. Levado para onde devia ser levado. Não tinha ninguém, havia chegado de Pernambuco há pouco tempo. Sem parentes.

Não houve ninguém procurando, não havia motivo para desespero, só  havia agora o desterro e o enterro próximo. Nunca viu Madonna.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

POESIA - Diálogo

-Poesia brota?
-Não,... jorra.


-Poesia morre?
-Não,... explode.


-Poesia tem fome?
-Não,... devora.


-Poesia quer?
-Não,... escorre.

-Poesia cospe?
-Não,... morde.


-Poesia fica?
-Não,... corre.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Talvez!


Acho sempre que a vida deva ter um talvez

Não repilo pessoas que sempre acham ter a certeza absoluta de tudo

Olho com curiosidade, espanto até...

O que seria das nossas vidas sem um talvez

Talvez no amor, nos negócios e no desespero

Um talvez no amor nos faça lutar mais para traze-lo consigo

Talvez nos negócios nos tragam a necessidade da reinvenção

Logo um talvez no desespero nos faça olhar ao inverso dele...a mansidão

Então, porque nega-lo se nosso mundo está recheado de talvez

Se nem o próximo segundo está claramente definido aos nossos olhos

Como um preceder de tudo o talvez, será agora com certeza quase cega

Um momento de lucidez!

Nada pode destruir mais a sabedoria humana do que a verdade absoluta

Como se fosse um útero a gerar indefinidas possibilidades, até aí reside o talvez

Hoje eu sei exatamente o que isso significa e registrar a talvez como insegurança é a mais pura ignorância do nosso ser

Ficar abatido ou  remoendo cada sentido das nossas vidas é necessário. O cuspe foi feito para se
cuspir, nisso se traduz os sentimentos remoídos e autenticidade de cada um

O talvez nos acalma alma, também agita o coração, dá tremores, mas nos faz esperançosos...uma indecisão

Deixe o talvez aí...encostadinho na sua alma e irá perceber que ele não te faz mal nenhum

Talvez...

quinta-feira, 8 de maio de 2014

As Contrações!



CONTRAÇÕES!


As contrações da espera, as contra ações de quem se desespera, e as contrariedades de quem deveras poderia ficar...
 
No ar poluente, na dor que a gente sente, na miséria de todos os dias, no plasma da TV...no rícino do jornal.


As contrações da vitória, a luta mais a glória, as ações contra o que devemos tomar.


As certezas do ontem, a angustia do hoje e a busca do amanhã é anormal.


Poesias que escorrem, palavras que corroem, pessoas que morrem sem lugar.


Tudo vira poeira, tudo vira poesia, tudo se transforma em alegria ou pesar.


Depende de cada qual como gente e o que sente, que atiça ou faz definhar.


Não em parênteses, não colchetes, não há memória que acumule tanto ver.


Há possibilidades, há a maresia, há a tempestade e a bonança que vem te querer.




EU REMOO
               EU REMOVO
                               EU RECUO
                                            EU RENASÇO
                                                             EU RESISTO


O sujeito perguntou ao jeito como ele ajeitava sua vida. Houve o silêncio, houve o bom senso, houve o entendimento...e o jeito se ajeitou.


O simples é o complexo que incomoda.


Deus, livrai-me da minha bipolaridade...ou não!


Há muita insignificância no viver até que você perceba que essa insignificância não pode ter eficácia com você.


EU BUSCO A PAZ, eu trago algo atrás nas minhas costas que são tão belas asas, tão longas que não consigo voar.


Todas as vezes em que inicia o dia, a espera é minha mãe, no entardecer minha amiga...e no anoitecer minha madrasta.


Pode ser que algum dia eu vire as páginas do meu caderno de anotações, onde eu rabisco com a pena e com força e deixe ali tudo o que não quero mais sentir.


Posso escrever sobre as minhas circunstâncias. Sobre o momento, sobre o prólogo, o capítulo e o epílogo, mas, algo me proíbe de escrever o fim.


São pedaços de mim, que deixei colados no meu caderno de desenho...lembrando quebra-cabeças onde a cabeça não é uma das peças.


Deve ser algo fascinante, não minto, deve ser esfuziante nada saber...deve ser estonteante, angustiante...nada querer.


Quero me afogar em Deus e ver o mendigo da esquina caminhar.


Contradizer não é exatamente dizer ao contrário, é não dizer...





segunda-feira, 5 de maio de 2014

Letra de Música!


Larga de mim, larga

Eu peço

Eu me despeço e larga

Tira de mim essa tralha

Toda manobra é boa

Larga

Larga de mim, larga

Não olhe adiante, dispara

Tira de mim essa carga

Larga

Larga de mim, larga

Deixa aqui só a lembrança, saia

Discorde de tudo, não ensaia

Larga de mim, larga

Só procure por mim, não saiba

Só lute por mim e caiba

No que quer e espalha

Larga de mim, larga

Não olhe adiante, dispara.

Verdades e meias verdades!


Quero deixar uma obra para o porvir

Verdade!

Posso pensar que existir é dolorido

Verdade!

O costume me torna viril

Verdade!

Por mais plausível que seja...mentir!

Endurecer até a casca quebrar

Verdade!

Amar até que a ultima gotinha acabe

Verdade!

Sonhar, esperançar até que  se canse

Verdade!

Por mais inabalável que seja...fingir!

Contar com minha própria ajuda e repensar

Verdade!

Ter a certeza que estar no fundo pode pesar

Verdade!

Por mais inatingível que seja...fugir!

Ouvir sua própria voz no matinal e gostar

Verdade!

Apagar sua própria luz no anoitecer e chorar

Verdade!

Ter a certeza que acordará no próximo dia...resistir!

 

Flores!


Simples deixar que o complexo não te tome

Complicado é baixar a guarda até que o rancor entorne

Providencial é querer que a mágoa que escorre...

Se esvaia!!!

Profundo nosso distanciamento

Permitido é nosso aliciamento

Embriagado de dor é nosso alento

Até que se arranque a flor

Daquele jardim mal cuidado

Do portão quebrado

Do passado usado como pano de chão

Eu tenho certeza que a luz chega

Que a paz aconchega. Onde ela está?

Uma discordância da matéria

Uma distância eterna da vontade de chegar

Precioso mais do que tudo

Ouço o futuro como um escudo

Tenho medo dele se avizinhar

Tal qual panela de gente

A corrente que vence

Me faz derrotar

O semblante é o mesmo

Não muda de cor

Só desbota e desabrocha

Nesse jardim sem flor

Notícias Inacabadas!


Eu trago sempre notícias inacabadas, porque sempre espero que haja um amanhã. Por isso são inacabadas e assim eu possa completa-las a cada dia um pouco mais.

Quando falo das notícias inacabadas, falo da necessidade de saber das pessoas que amo...daquele amigo que eu gostaria de saber absolutamente tudo da vida dele desde os mais simples ao mais impuro segredo e que não é por curiosidade é por necessidade de ser parte dele. Da profunda carência, da insistência e da vontade de aprender mais e mais sobre o que se passa em cada um.
Quando falo das notícias inacabadas, eu quero dizer da falta que me faz a família, da irmandade distante, do que eu tenho que ouvir, do que eu tenho que confrontar com as minhas memórias infantis.

Quando falo das notícias inacabadas, quero saber daquele amor que não se completou, ou, que o coração teima em mencionar no passado, esquecendo que no presente há alguém para ser divinamente amado.

Quando falo das notícias inacabadas, preciso ser informado ou informar que aquele filho ou filha distante de pai e mãe, precisa dele ou talvez não. Sabem  caminhar sozinhos e espera como eu uma jornada mais alegre.

Quando falo das notícias inacabadas, eu tento entender porque a necessidade de deixar assuntos sempre ao suspiro, porque o tempo esse antissocial nos afasta daquelas pessoas queridas com as quais quero manter um longo e profícuo contato.

Temos pouco tempo para nos conhecermos um ao outro, temos muito tempo desperdiçado com a distância, temos muita angústia em se entregar a um sentimento, temos uma referencia muito sórdida de nós mesmos quando queremos nos entregar. Um medo sempre, uma reverência perpétua a nossa hipócrita boa conduta.

Notícias inacabadas são exatamente os espaços que não preenchemos, que não deixamos nos preencher ou que não preenchemos nos outros. Esse ser humano que é ainda egoísta e que o individualismo faz com que não se pertença a lugar nenhum e nem a ninguém a não ser a nós mesmos.

Notícias inacabadas tem o cheiro de matéria de jornal que você vai fazendo recortes e no final espera que ela seja sempre a melhor possível na eterna ingenuidade de que na teia das nossas vidas não permaneça absolutamente nada inacabado. O  que é uma terrível ilusão.

Em diversos momentos da vida saia ao encalço das suas notícias inacabadas e não se preserve tanto que a preservação também matou espécies. Dê sua notícia mais completa hoje e deixe que o não acabamento se acabe no outro que terá também sua vontade, seus anseios e suas necessidades por completar.

sábado, 3 de maio de 2014

Dorzinha de amor!

DOR DE COTOVELO...SÓ UMA DORZINHA!!


Tirei do baú aquela foto que você aparecia, você não está mais lá.
Já está amarelada, não tem marcas de você. É tua!
Tirei da cartola aquele coelho doente, ele estava carente
Deixou morrer. É teu!
Tirei da manga aquela carta, a mais valiosa, a que determina o jogo.
Ignorou....perdeu!
 
NO AMOR!!!!
No amor não há caminho que possa se achar
Não há delírios que não se possa curar 
Paleta onde as cores derretem
Cálculo onde os amores se perdem  
Teria que subir ao topo da colina
Voltaria escorregando na neblina
Beberia neblina até me embriagar 
Tomaria todo seu tempo sem correria
E voltaria sempre a te procurar 
Iniciaria pelo final perguntando
Ao tal que dia ele virá.

Pés gigantes e sua partida!


A sua maquiagem estava jogada em seu balcão e derretiam com o calor. As luzes algumas estavam acesas outras queimadas e havia ali um ar de desolação, abandono e tristeza. Não deveria ser assim, mas, ele estava esgotado, cansado de tirar de dentro de si uma risada, um fazer rir que não estava coincidindo com sua vida de agora que outrora fora coberta de vigor e juventude. Mesmo que o riso do outro fosse fácil, que a trupe se entendesse sobre tudo o que estava planejado ou não. Havia o improviso que também é a arte do riso e como não dizer, da sabedoria espontânea e no entanto agora não havia mais esse episódio em sua vida. Talvez o excesso o tenha levado a entender que a vida pode cobrar, e ela cobra. Duramente, docemente, depende exatamente de como você a semeou. E ele a semeou muito bem, deu carinho, deu esperanças, deu vida a tantas pessoas, ele não se sentia naquele tempo finito, é isso...não havia finitude em nada. Por mais difícil que fosse sua vida ele se entretinha quando a luz se acendia mesmo que não fosse  hora do seu ato, da sua aparição.

Ele olhou para si com a maquiagem borrada, os olhos tristes, a manga desfeita de uma trapalhada mal sucedida, notou que o sapato ora gigante que parecia poder pisar em larga escala no mundo trazendo-lhe um vislumbre de poder, de ser diferente , de conseguir dar passos mais largos e longos apesar de desengonçados agora fora deles se reduzia somente ao tamanho minúsculo dos seus pés.

Em um ímpeto jogou fora a bacia com que se limpava e tirava a maquiagem, logo ela que era tão prestativa ao tirar-lhe toda aquela máscara e também peso, que já se entranhava em suas rugas. A bacia rodou fazendo um barulho oco de alumínio no chão. Não estava bêbado como costumava estar após os espetáculos ou às vezes fora dele. Não bebia para esconder nada ou talvez para se entregar ao profundo desejo de se consumir e se esquecer. Cresceu ali, que por vias das circunstancias não era nada demais pois, estava acostumado a vários caminhos, porém sempre atado a um só. Esse caminho era a sua família, da sua trupe, da carreata barulhenta, irmandade persistente que lhe trazia alento. Devagar ele ia...observava todo o percurso de dentro da sua limusine imaginária, isso quando criança, depois de grande e já homem feito tinha plena certeza de que era uma sucata.

A maquiagem que se derretia em seu balcão parecia sentir o abandono, parecia perceber juntamente com a bacia que para ali em diante só restaria o ressecamento e a ferrugem. Não houve volta.

Ele partiu cansado e sem pensar, sem pedir, sem medir mais nenhum passo com seus pés em tamanho reduzidos. Não voltaria a fazer ninguém rir porque estava exausto, logo ele...ao se sentir triste e naturalmente esgarçado.

O Palhaço!