Nossas cartas sempre começam com
um leve comentário ou a pergunta de praxe de como está? Hoje, não vou cair na
mesmice, até porque minha vida não tem essa mesmice que tinha até a algum tempo
atrás.
Posso começar falando da minha
impressão e sobre o que sinto pelo futuro de todos aqui, e eu acho que o futuro
está meio nublado, minha bola de cristal está sensivelmente descontrolada, e
haja flanela para faze-la funcionar, o brilho de outrora (será que houve??) ou
eu achava tudo mais lúdico e menos trabalhoso do que agora?
Meu amigo que aterroriza minha
alma, meus dias e minha cabeça, poderia caminhar comigo pela orla? Hoje o dia
está quente, úmido e eu estou solitário. Essa solidão, aquela que conheces bem,
a que me acompanha desde pequeno, quando menino eu olhava o por do sol e já
reflexivo e sensível de doer já me vislumbrava solitário sem ao menos sabe-lo.
Tenho estado em casa, junto aos
meus pensamentos e livros, que um círculo permeia minha vida, e tenho estado
com o único que me entende e me acompanha, além de eu mesmo. Tenho por ele uma
imensa gratidão que é mais que amor? Ou amor pode se chamar também gratidão, ou
admiração, ou companheirismo, acho que é um pouco de tudo e muito de nós
mesmos.
No entanto, como ia te dizendo
estar assim novamente tão introspectivo me faz ver além da minha própria
matéria e que eu luto para manter mais e mais sã a cada dia, é uma tarefa árdua
essa, separar a mente do corpo ou da nossa alma, na realidade eu acho que sou
pura alma, e ela está esfolada, muito desgastada e não estou conseguindo fazer
com que ela recupere seu brilho de antigamente, não sei se ela estava tão
oculta de mim que só agora, ao tempo que o tempo me deu ela está se mostrando,
e eu não sabia que ela estava tão ferida assim.
Por muito e também por menos
perco a razão, a emoção está à flor da pele meu caro e não encaro com humor
nada que possa me deter. Aliás, eu tenho colocado muitos pingos nos is
ultimamente e francamente cada pingo é um respingo de ais, que tem me irritado
bastante. Não sabia que fraquejava, que humanizar nossa alma era algo tão
dolorido.
Pelo sincronismo que tenho tido
ultimamente, posso te dizer que meus compasso biológico está bastante atrasado
em relação a minha alma ou vice versa, não sei dizer quem realmente cresceu e
viveu primeiro, num jogo de adivinhação acho que ambos perderiam. Não tenho
lembranças de não ter alma, engraçado...acho que já a carrego por longa data.
Me fale de ti? Tens andado muito
ocupado? Ou tens estado como eu? Abilolado?
Lembro-me de nós dois,
conversando longas horas pela madrugada afora, escutando de cada lado a palavra
não dita de cada um...olhos que não se olhavam, porque nada de espelhos, na
realidade era um olhar profundo, não humano acho que instintivo quase, e
terminava sempre com um longo abraço de cansaço. Permiti sempre que adentrasse
e enfiasse a mão em meu peito, arrancando muitos pesares, muitas alegrias e
também muita vontade de estar alí.
Na ultima conversa que tivemos,
que também expressei em nossa ultima carta, aliás, ainda não recebi sua
resposta, espero que não tenhas ficado aborrecido comigo, por ter comentado que
parte de mim já havia esvaziado de você, o que é natural já que a distância nos
provoca o desejo de seguir em frente uma vez que o vinculo da presença não
existe mais. Comentava o quão o amor pode ser uma armadilha, que nos enfileira
para a guilhotina sem motivos de Kafka. Então eu te digo, novamente, nessa carta
que lhe escrevo agora e, mais do que nunca essa armadilha armada de egoísmo e
vontade de ter, nos escraviza e torna o tal amor em algo não negociável, onde
através da nossa angústia e do laço e do grilhão forjado a ferro da luta diária
não resistimos, caímos na armadilha e tantos sentimentos de desvalido, de combalido
e cansaço que ao persistirmos nessa permanência, nos anulamos.
Eu tenho esperado tanto de mim,
que estou me cobrando a cada instante, o que ao mesmo tempo não me traz nenhuma
boa referência, me vejo até mesmo incapaz de prosseguir, de dar qualquer rumo
ao desespero e que muitas vezes eu atropelo com meu trator de uma roda só.
Estou sem esperança e tudo que vejo ao meu redor é a dureza, dureza essa que carreguei até pouco tempo e que
estava tão incrustada em mim como lava de vulcão, e eu agora me sentindo
alijado de algumas coisas, respiro enfim a liberdade de ser eu mesmo. O que
fazer? Para não me perder nesses espaços e caminhos tão diversos que a vida tem
me mostrado? Caminhe ao meu lado, eu sozinho não sou você.
Não adianta seu terrorismo, hoje
enfim eu respiro e com você vou mais longe, eu sou sua parte que se perdeu...eu
sei. Me abandonar, nesse edifício, beira de abismo é não ter coragem de me
olhar novamente e dizer...eu estou com você.
Assim eu encerro minha carta,
contendo a explosão que havia preparado para nós dois, eu exatamente como antes
e você ainda perante a vida que nos separou.
Tenho coisas e sei coisas que
você talvez não queira mais saber.